Muitas vezes reproduzimos
nas nossas opções e comportamentos o que condenamos nos outros. Indignamo-nos
com o autoritarismo e a truculência de governantes e chefinhos, mas nós
utilizamos os seus mesmos métodos, os que humilham e desumanizam pessoas e relações.
Sonhamos e alimentamos as mesmas ambições e manias de grandeza que vemos nos
megalômanos. E não percebemos como elas se refletem escandalosamente em nós. Afirmamos
com leviandade que, afinal, são as contradições e os paradoxos típicos de nós
humanos! Reforçamos, consciente ou inconscientemente, um sistema que deforma
sistematicamente a nossa dignidade, mesmo que o condenemos com veemência no
nível formal. Temos dificuldades de entender que tais atitudes não são meras
expressões de uma determinada personalidade. Nem formas de uma suposta
inadequação com a realidade social ou pessoal, ou detestáveis manifestações
esporádicas e circunstanciais. Ao contrário, não percebemos que na maioria das
vezes revelam concepções estruturais de vida, e escancaram mecanismos e
processos educativos que não apontam para o respeito ao outro, para o diálogo,
a gratuidade, o serviço desinteressado. Absorvemos e incorporamos, com mais
facilidade, os péssimos exemplos de mandonismo, de arrogância, de prepotência
que vemos ao nosso redor. Somos vítimas e reprodutores de sede insaciável de
poder devastador.
A narração bíblica hodierna
explica e explicita tudo isso no seio do próprio grupo de Jesus. Não só. Revela
com crueza as contradições e os paradoxos daqueles que acabavam de assumir com
Jesus a missão de servir gratuitamente os pequenos e de se tornarem eles mesmos
‘pequenos e crianças’. Justamente para que o reino de Deus, - e não os reinos
dos arrogantes e dos prepotentes, - pudesse ser definitivamente iniciado.
Jesus, com a maestria de uma pessoa profundamente atenta e conhecedora do
espírito humano, denuncia a dependência escandalosa dos seus próprios
seguidores a modelos de ‘convivência social e humana’ pautada ainda na
dominação de um sobre o outro. Justamente no momento em que o mestre está
caminhando rumo a Jerusalém como o ‘servo sofredor’, vítima da truculência dos
déspotas intolerantes, os seus discípulos, paradoxalmente, reproduzem as mesmas
ambições e megalomanias dos algozes de Jesus. Fica evidente para Marcos que os
seguidores de Jesus ainda não compreenderam e não assume a nova dinâmica do reino
de Deus. Eles são ainda fomentadores da prática adotada pelos déspotas para
‘dominar e tiranizar nações e pessoas’, mesmo que digam para Jesus, - ‘da boca
para fora’, - que sabem ser solidários com ele na hora de ‘beber o cálice do
martírio’. O dia mundial das missões continua a nos lembrar que missão não é
dominação e nem imposição de modelos culturais, religiosos ou políticos sobre
outros povos e grupos sociais. Missão é essencialmente capacidade de beber o
mesmo cálice que as vítimas do sofrimento, da violência e da exclusão devem
beber todos os dias. Beber com elas o cálice do martírio, e em plena aliança e
solidariedade, construir vida plena. Sem déspotas, e sem dominadores!
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