Existem pessoas que passam
ainda noites insones pensando sobre qual será o seu destino futuro, após a sua
morte biológica. Pautam suas ações e atividades religiosas do dia a dia
condicionados exclusivamente pela preocupação de perder definitivamente a vida
eterna. De serem condenados ao fogo eterno ou serem salvos no paraíso dos
justos. Frequentemente a preocupação se transforma em medo, em formas graves de
paranóia. Sabemos que o medo distorce a realidade e paralisa as pessoas. Deixamos
de ser livres, lúcidos, conscientes. Tornamo-nos isca fácil daqueles que
prometem salvação rápida e definitiva. A salvação da alma, claro! O evangelho
de hoje nos diz que a nossa preocupação, enquanto pessoas de fé, não deveria
estar relacionada à possibilidade ou não de herdar a vida eterna. Isso será dom
de Deus, e não conquista nossa! A verdadeira preocupação, no entanto, deveria
ser aquela relacionada à nossa capacidade e possibilidade de entrar ou não na
lógica do reino de Deus. Esta tem a ver com a nossa vida concreta, histórica,
agora! Com a nossa capacidade de construir vida e felicidade para nós e para os
humanos no dia a dia. Longe de toda visão intimista e espiritualista Jesus
concentra a sua atividade e os seus esforços na possibilidade real de construir
o reino de Deus no presente histórico. E é isso que ele diz ao jovem que estava
preocupado unicamente em ‘herdar a vida eterna’ após a sua morte.
Na prática Jesus convida
aquele jovem honesto e sincero a não se preocupar tanto com o seu destino após
a sua morte, mas com aquilo que estava a ameaçar a sua felicidade e o futuro de
tantas pessoas no seu dia a dia. Convida-o a não se preocupar unicamente com o
cumprimento rigoroso das normas litúrgicas e dos mandamentos legais com o
intuito de barganhar uma salvação espiritual futura, mas de assumir, de vez, a
lógica e a prática do reino de Deus, agora. Isso era urgente e
determinante para a sua vida presente e futura. Jesus convida o jovem, e todo
seguidor dele, a dar esse passo, mesmo que tenha que fazer opções radicais e
momentaneamente dolorosas. Será, contudo, a sua capacidade de estar ao lado dos
pequeninos e dos desprovidos de tudo que ‘o jovem’ - que ‘somos nós’, -
poderemos encontrar ‘abundância multiplicada’ de afeto, de acolhida, de amparo,
de amizade. Mais uma vez o mestre nos alerta que é mediante a plena partilha e
solidariedade com ‘os pobres’ e desamparados que poderemos construir um
presente carregado de salvação concreta e completa. Só superando as nossas
pulsões por estabilidade e segurança, por posse e consumo, que estaremos mais
livres para nos doar, e mais abertos para receber e acolher. Afinal, a vida
plena, abundante e generosa, - que poderá ser eterna, - começa a ser construída
aqui e agora!
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