"O espetáculo dos
cardeais, desfilando com o luxo de seus trajes púrpura-renascentistas, pela
Praça de S. Pedro. É a cúpula da Igreja, constituída exclusivamente por homens
idosos e celibatários, em cujas mãos se concentra o poder eclesial; e é
aplaudida frenética e entusiasticamente pela multidão que se encontra na praça
e na qual as mulheres, provavelmente, são a maioria", escreve Lucia Ribeiro, socióloga.
Segundo ela, "não se
trata, simplesmente, de exigir uma participação feminina na atual estrutura de
poder eclesial, nem mesmo de apenas levantar a temática da ordenação de
mulheres. O que é preciso questionar é a própria estrutura hierárquica. Porque
esta não é apenas patriarcal: é também uma verdadeira autocracia".
Eis o artigo.
Diante da multiplicação de
entrevistas, artigos e sobretudo imagens da TV sobre a eleição do novo papa,
não posso deixar de sentir, como mulher e como cristã, um certo
mal-estar. Porque todo o processo visibiliza e deixa explícita a exclusão da
mulher da esfera de poder da Igreja Católica.
Duas imagens, especialmente,
me chamaram a atenção: por um lado, o espetáculo dos cardeais, desfilando com o
luxo de seus trajes púrpura-renascentistas, pela Praça de S. Pedro. É a cúpula
da Igreja, constituída exclusivamente por homens idosos e celibatários, em
cujas mãos se concentra o poder eclesial; e é aplaudida frenética e
entusiasticamente pela multidão que se encontra na praça e na qual as mulheres,
provavelmente, são a maioria.
Por outro lado, a foto do Globo de
domingo, intitulada “o lado feminino da Igreja”, mostra duas freirinhas - ainda
de hábito! - jogando futebol com as crianças; a associação imediata é a de uma
dimensão lúdica que sugere uma certa infantilização. Não seria essa,
justamente, uma forma de legitimar subliminarmente a situação subalterna das
mulheres na Igreja?
É evidente que imagens não
esgotam uma realidade muito mais complexa e contraditória, mas têm uma força
própria para sublinhar características predominantes; e, neste caso, reforçam a
ideia da exclusão feminina na esfera do poder eclesial.
Mas não é apenas o
espetáculo oferecido pelo Vaticano que tem a marca de um patriarcalismo
indisfarçável. As próprias análises, os artigos e as entrevistas, são, na sua
maioria – com honrosas exceções – realizados por homens. Ou seja, trata-se de
todo um espaço dominado pela presença masculina. Não se pode esquecer,
entretanto, que boa parte da população católica é composta por mulheres; e não
é por acaso que, nesta Igreja em crise, vem sendo repetido que é fundamental
repensar o lugar da mulher.
Mas aqui entra uma questão
mais de fundo. Porque não se trata, simplesmente, de exigir uma participação
feminina na atual estrutura de poder eclesial, nem mesmo de apenas levantar a
temática da ordenação de mulheres. O que é preciso questionar é a própria
estrutura hierárquica. Porque esta não é apenas patriarcal: é também uma
verdadeira autocracia, em que o poder está concentrado nas mãos de um chefe
supremo (e não posso deixar de pensar no regime czarista da Russia imperial ou
nas monarquias absolutas dos séculos XVII e XVIII). E não é desta
estrutura que as mulheres desejam fazer parte. Ela precisaria ser radicalmente
transformada, dando lugar a diversas formas colegiadas, sem um “pontifex
maximus”, concepção absolutista herdada da Roma dos césares. Só assim o povo de
Deus, homens e mulheres, poderia participar na Igreja de maneira equitativa,
plural e democrática.
É evidente que tais mudanças
estruturais não se fazem da noite para o dia. Tampouco dependem apenas da
eleição de um novo papa, seja ele mais conservador ou mais progressista. É
claro que este pode jogar um papel relevante. Mas o fundamental é a
transformação que vem das bases. E que, felizmente, já está se realizando,
embora de formas muitas vezes invisíveis, na fragmentação de uma realidade
multifacetada. É aí que as mulheres começam a ocupar um lugar fundamental, como
agentes de pastoral, coordenadoras de comunidades, assessoras, participantes de
ministérios não-ordenados, ou de tantas outras formas, como membros ativos de
suas comunidades. Na realidade, reatualizam o papel desempenhado por
mulheres nas comunidades cristãs primitivas.
Neste contexto, será mais
fácil também discutir abertamente e conseguir dar respostas aos famosos “temas
congelados” – celibato obrigatório, sexualidade - hetero e homo -,
contracepção, aborto e tantos outros - que interessam tanto aos homens como
principalmente às mulheres, e que, dentro da atual estrutura, patriarcal e
concentradora de poder, dificilmente serão resolvidos.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/518574
Nenhum comentário:
Postar um comentário