Como sentir paz quando os gritos dos nossos
fantasmas interiores se tornam sempre mais ensurdecedores? Quando os
sentimentos de culpa por termos traído alguém amado dilaceram a nossa alma?
Como doar paz aos outros se nós mesmos não conseguimos fazer a experiência de
sentir paz dentro de nós, e saboreá-la no ambiente onde vivemos? Quem e o que
poderá nos ajudar a recuperar ou a encontrar aquela paz tão almejada que nos
permite continuar a ter motivações para viver? Afinal, de qual paz Jesus está
falando no evangelho de hoje? Seria ela um sentimento evanescente, de um
momento, ou um estado de ânimo de serenidade emocional típica de quem não tem
consciência da gravidade da situação em que vive? Ou seria algo mais profundo,
algo que devemos e podemos sentir principalmente nas situações de conflito?
Reconstruindo o itinerário dos apóstolos após a morte de Jesus podemos
compreender melhor o contexto da narração hodierna. É inegável que o grupo de
Jesus fez a experiência de se sentir se não culpado pelo menos cúmplice ou
omisso perante a eliminação física de Jesus. Havia-o abandonado justamente no
momento crucial da sua vida. O grupo teve que conviver com fortes sentimentos
de culpa por causa disso. Dispersão, depressão, desnorteamento, confusão
interior, falta de paz caracterizam o estado de ânimo dos seguidores de Jesus,
até eles fazerem novamente a experiência coletiva de que Jesus estava no meio
deles assegurando paz, perdão, comunhão renovada. A paz que eles experimentam é
sinônimo de perdão. O mesmo que Jesus havia oferecido a tantos pecadores do seu
tempo.
Hoje aqueles homens e mulheres percebem que
são os pecadores que necessitam daquele mesmo perdão do Mestre para poder
retomar a comunhão interrompida com ele. Sentem que o espírito de Jesus está no
meio deles e continua a lhes assegurar paz e não punição, coragem para avançar
e não medo de algum castigo. Esta paz, contudo, não é um mero estratagema para
dar estabilidade emocional ao grupo. Um fingir que nada aconteceu. Um
convite a esquecer o passado apesar de tudo. Esta seria uma paz ilusória, uma
tática para ludibriar desafios e conflitos. A paz de Jesus é o oferecimento de
uma nova aliança ao seu grupo. Uma renovada parceria com o mestre em favor da
retomada da missão comum de combater as forças do anti-reino do ‘mundo’. Do
desmascaramento da violência pessoal, física, coletiva. Daquela simbólica e
institucional que nem sempre é vista como ameaça à vida plena. Para tanto o
grupo de Jesus precisou se habilitar a viver em estado permanente de paz
justamente para saber enfrentar com ‘serenidade’ e firmeza os inevitáveis
conflitos e ameaças àquela paz que às duras penas havia conseguido. Graças ao
Mestre, graças também à sua capacidade de acolher e acreditar ainda na
paz-perdão, mesmo vivendo numa guerra permanente.
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