Parece ser mesmo verdade: só na hora do
aperreio é que percebemos a presença forte de Deus e das pessoas que poderiam
amenizar a nossa situação! Todo dia ‘enxergamos’ gente mergulhada em situações
de desespero e de abandono, mas somos incapazes de ‘vê-las’. A nossa
indiferença, o nosso egocentrismo, a nossa obtusidade em cuidar somente dos
nossos interesses e das nossas amizades particulares não nos permite ver e
tocar a miríade de pessoas que gravitam ao nosso redor. Compreender seus
anseios, e se compadecer de tantas formas de dor e de descaso. Paradoxalmente,
os olhos do ‘rico da parábola’ hodierna se abrem para enxergar a presença de
Lázaro somente quando não há mais possibilidade de ‘retorno’. Mais que isso:
somente quando ele mesmo faz a experiência da exclusão e da conseqüente negação
ao banquete da vida, é que dá fé da ‘existência’ do ‘’excluído’ Lázaro. A
parábola de Jesus não visa em primeiro lugar alertar genericamente os ricos
para serem compassivos em vida, pois, de outra forma, haveria condenação para
eles na outra, mas é um forte chamado para que todos nos eduquemos a perceber a
presença de tantas pessoas que vivem deitadas à porta da nossa casa/existência,
e somos incapazes de fazer comunhão com elas.
Não é uma mera admissão da existência da luta
de classes sociais em que os ricos, supostamente, seriam punidos por Deus pelo
seu egoísmo e falta de equidade, e os pobres premiados, e sim um claro alerta e
convite a não ignorarmos justamente aquelas pessoas que hoje nos permitem
compreender o sentido das escrituras e da nossa vida. Rico, para Jesus, é todo
aquele que se considera auto-suficiente e acha que não precisa dos outros, dos
pobres, - pois, supostamente, estes ‘não teriam nada’ a lhe oferecer - e,
portanto, poderiam ser por ele ignorados e descartados. Jesus nos convida a
perceber que a existência dessas pessoas em nossa vida é a oportunidade que
Deus nos dá para praticar a verdadeira compaixão e a verdadeira justiça.
Descobrirmos o quanto somos injustos e desiguais. O quanto somos surdos ao que
Moisés e os profetas nos falam cotidianamente. O quanto somos incapazes de
garantir um mínimo de segurança aos filhos e filhas gerados por Deus. A
compaixão de Deus passa, afinal, pela nossa capacidade ou incapacidade de nos
compadecer de tantos Lázaros presentes em nossas vidas. E tomarmos consciência
de que só através deles, e em comunhão com eles, podemos encontrar a verdadeira
felicidade. O sentido mais profundo da nossa vida de permanentes itinerantes em
busca de comunhão e de paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário