Às vezes vivemos tão mergulhados nas nossas
cotidianidades que somos incapazes de ver e saborear a respiração do mundo, do
planeta, do universo. Frequentemente, até o que ocorre na nossa mesma cidade.
Travados e bitolados pelo nosso desligamento existencial, ou obcecados pelas
nossas mesquinhas ambições, não conseguimos reconhecer e apreciar o bom e
bonito que ocorre conosco e com tantas pessoas próximas. Tudo nos parece
‘natural’, e até banal. Não conseguimos mais nos maravilhar, nem comover e
emocionar diante de pequenos e bonitos testemunhos de vida, de doação, de
gratuidade, de atenção benevolente. Viramos pequenos e idiotas robôs
necessitados de uma ‘nova criação interior’, um novo renascimento, mas somos
incapazes de reconhecê-lo para nós mesmos e para os outros. Precisamos salvar
as aparências, e não mostrar fragilidade. Não foi o que ocorreu com os leprosos
do evangelho de hoje, pelo menos na sua consciência de necessitar de uma nova
vida, um novo futuro. Lucas, de fato, nos informa que 10 leprosos, ou seja, a
totalidade dos humanos, conscientes da tragédia que significava aquela doença,
se aproximam de Jesus e invocam ‘compaixão’. Não pedem a cura diretamente,
pedem a sua compaixão. Um gesto de acolhida, e não de desprezo ou rejeição como
vinham recebendo por parte de todos. Jesus simplesmente os convida a se
apresentarem aos sacerdotes que eram os únicos que podiam reconhecer legal e
ritualmente a cura conseguida daquela doença.
Os dez, mesmo não verificando ainda a sua
cura, acreditam em Jesus e tomam a direção do templo. A cura acontece ao
percorrer o caminho ao templo como resultado da sua fé em Jesus, e como
expressão concreta da compaixão do próprio Mestre para com eles. É
justamente aqui que se dá o diferencial: somente um estrangeiro, um samaritano,
consegue se comover com aquele gesto e reconhecer na compaixão de Jesus a
própria compaixão de Deus. E volta imediatamente, esquecendo os sacerdotes,
glorificando Deus, e agradecendo o próprio Jesus, expressão visível do autor
invisível daquele ‘renascimento’. Lucas, evidentemente, está tecendo a sua
crítica ao próprio Israel que bitolado e travado pela sua obtusidade religiosa
não soube reconhecer a chance que Deus estava lhe oferecendo através do seu
‘patrício’ Jesus de Nazaré. Diferentemente dos ‘estrangeiros e pagãos’ que
mesmo na sua situação de exclusão, de marginalização social e religiosa
souberam identificar naquele ‘israelita e estrangeiro’ (Jesus) o instrumento de
sua renovada esperança na vida. Os outros 9 ex-leprosos, ao contrário, engessados
no seu pequeno mundo de normas e proibições voltaram a mergulhar no seu
automatismo religioso, cego e improdutivo. Mesmo curados, ainda não haviam se
‘levantado/renascidos’ para olhar o mundo e o infinito com outros olhos, os da
gratidão!
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