Frei Betto
No caminho, Rayfran das Neves a abordou.
Perguntou se estava armada. Dorothy exibiu a Bíblia: “Eis a minha arma.” E leu
trechos em voz alta.
O rapaz não se intimidou. A recompensa pelo
crime importava mais que a vida da missionária que defendia pequenos
agricultores, posseiros e sem-terras. Sacou a arma e descarregou nela sete
tiros, sendo um na cabeça.
Há tempos, Dorothy sofria ameaças. Poucos
dias antes havia escrito: “Não vou fugir nem abandonar a luta desses
agricultores desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a
uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem
devastar.”
Rayfran, condenado a 27 anos de prisão, teve
como mandante o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado, em
2013, a 30 anos. Passou por três julgamentos. O primeiro, em 2007, deu-lhe
igual penalidade. Por receber pena superior a 20 anos, teve direito, em 2008, a
novo júri. Foi absolvido! O Ministério Público recorreu, anulou-se a sentença,
e o júri de 2013 confirmou a pena de 30 anos de prisão.
Dorothy Stang mereceu prêmio de direitos
humanos da OAB, em 2004. Homenageou-a, em 2005, o documentário-livro “Amazônia
revelada”, patrocinado pelo CNPq e o Ministério dos Transportes.
O documentário de Daniel Junge, “Mataram
irmã Dorothy”, produzido nos EUA e narrado por Wagner Moura, retrata a
trajetória da religiosa. O artista Cláudio Pastro incluiu o perfil dela no
painel, em azulejos, “As mulheres santas”, na basílica de Aparecida (SP).
Quem de fato matou Dorothy Stang foi o
latifúndio, conforme denúncia dos bispos católicos brasileiros reunidos em
Aparecida, em abril de 2013.
Reza o documento por eles aprovado: “A
sempre prometida reforma agrária não foi prioridade de nenhum dos governos
democráticos. As decisões governamentais, nestas três décadas, foram, quase
sempre, tomadas para favorecer o latifúndio e o agronegócio: financiamentos
altíssimos, subvenções, e até anistia para os endividados, impunidade e
regularização da grilagem, legislação favorável aos interesses da bancada
ruralista. É injustificável que os índices de produtividade, essenciais para
provar a função social da propriedade, ainda sejam os do tempo da ditadura
militar.”
Outros assassinatos ocorrerão se o governo
não promover a reforma agrária e defender os direitos de índios, quilombolas,
atingidos por barragens, posseiros e sem-terra.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, de
1985 a 2011, registros revelam que 1.610
pessoas foram assassinadas no campo, julgadas apenas 96 ocorrências e
condenados 21 mandantes e 75 executores.
A impunidade faz do Brasil uma nação
violenta.
Frei Betto é escritor, autor de “Minas do Ouro” (Rocco), entre outros livros.
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